quinta-feira, 5 de setembro de 2013

George Harrison foi o primeiro ex-Beatle que conseguiu emplacar um grande sucesso nas paradas em carreira solo. Ele veio através da belíssima e espirituosa “My Sweet Lord”, lançada como single em novembro de 1970. Enquanto os 6 continentes derramavam lágrimas por grandes perdas no mundo da música como Jim Morrison, Jimmy Hendrix, Janis Joplin, o fim dos Beatles e, os mais pessimistas, temiam que o rock estivesse dando seus últimos suspiros, a obra surgiu com uma melodia envolvente que deu as mãos à mensagem contida na letra, fazendo com que a canção chegasse como uma resposta. 


Inspirado por “Oh Happy Day!”, do grupo Edwin Hawkins Singers, George foi compondo ao seu estilo, tendo em mãos um violão. O músico temia que o sucesso fosse recebido de forma negativa, já que fala de Deus, e também porque nunca compôs nada sobre o tema. Sua intenção era fazer sua própria música podendo nela acrescentar sua espiritualidade e visão de fé oriental, levando ao público aquilo em que acreditava. Ele sabia que, assim que chegasse ao mercado, “My Sweet Lord” estaria acompanhada de mudanças em sua carreira. E foi exatamente isso que aconteceu.

No início de 1970, o quarteto de Liverpool ainda não haviam se separado oficialmente, o futuro da banda era incerto. George não tinha a pretensão de gravar um disco, então entregou a música para Billy Preston gravar em seu álbum, intitulado "Encouraging Words", pelo selo Apple, dos Beatles, que foi lançado em setembro do mesmo ano. Porém, a interpretação de Billy não obteve muito sucesso, problema que se agravou ainda mais em novembro, quando Harrison lançou o álbum “All Things Must Pass”, do qual a canção faz parte.

Ela só precisou invadir as emissoras de rádio para virar sucesso no mundo inteiro, chegando ao primeiro lugar em dezenas de países e alcançando o álbum triplo. Após anos vivendo à sombra de Lennon e McCartney, George conquistou seu espaço, ele vivia um momento de enorme alegria e satisfação pelo seu trabalho. Porém, não demorou muito tempo para o início do drama de My Sweet Lord”.

Em 1971, a editora "Bright Tunes Music", detentora dos direitos autorais de "He’s So Fine", alegou que existia uma grande semelhança entre as músicas e entrou com um processo contra Harrison, acusando-o de “plágio involuntário”. (“He’s So Fine”, de Ronald Mack, foi gravada originalmente pelo grupo "The Chiffons" e lançada em 1962. No ano seguinte, chegou a ficar 4 semanas em 1° lugar nos 100 mais da Billboard. Após esse período de sucesso absoluto, ela foi começando a cair no esquecimento e só era tocada praticamente em rádios de flashback).

O processo se arrastou ao longo de 12 anos. Resumidamente, ele alega que George copiou a música de Ronald Mack. Nas audiências, provas foram apresentadas e analisadas por especialistas e musicólogos que encontraram duas semelhanças entre as canções: uma chamada parte A e a outra parte B.
  • Parte A: 4 repetições das notas G ( Sol ) – E ( Mi ) – D ( Ré )
  • Parte B: G ( Sol ) – A ( Lá ) –C ( Dó ) –A ( Lá ) –C ( Dó ) na qual foi adicionada mais uma nota após o segundo A ( LÁ ), ficando a seqüência G ( Sol ) – A ( Lá ) – C ( Dó) – A (Lá) – D (Ré) – C (DÓ).
E as semelhanças não param por aí.
  • Ambas possuem um refrão título de três sílabas seguido por uma descida da escala maior na chave tônica (Mi Maior:"My Sweet Lord", Sol maior: "He’s So Fine").
  • Em "I Really Want To See You " e "I don’t how I'm gonna do it" há uma subida semelhante. Porém, The Chiffons mantém a tônica G para quatro barras, enquanto George introduz a harmonia mais complexa de um relativa menor (C # m), bem como o motivo de guitarra muitas vezes repetida, fundamental e distintamente inicial de slides. 

Especialistas contratados por ambas as partes, concordaram que tal repetição era incomum. O juiz concluiu que as duas músicas eram praticamente idênticas e estava convencido de que não havia uma apropriação da melodia de “He’s So Fine" para o uso de George, mas isso não serviu como defesa. Ele admitiu ter ouvido a música antes de escrever "My Sweet Lord". Dessa forma, seu subconsciente sabia que a combinação de tons utilizada na sua composição iria funcionar, pois isso já havia sido feito. O processo foi redefinido para um julgamento. Entretanto, ele não foi sobre direito autoral, mas sobre uma indenização. 

O principal argumento utilizado foi o de cópia subconsciente, pois não havia nenhuma evidência de que o plágio foi proposital. Tal posição foi rejeitada pelo tribunal, que apoiou a constatação da infração apontando a Lei dos Direitos Autorais, a qual não exige uma demonstração de “intenção de infringir”. Como as partes não concordavam com o valor da indenização, o processo foi se arrastando por muitos anos. Ele seria fechado em 1981 e pago a ABKCO Records, fundada por Allen Klein, ex-empresário dos Beatles, que comprou uma parcela insignificativa da Bright Tunes e se tornou detentor dos direitos de “He’s So Fine".

Após tantas idas e vindas, o caso finalmente foi encerrado em novembro de 1990, pelo juiz da corte federal americana Richard Owen, que definiu que Harrison ficaria com os direitos autorais de "My Sweet Lord" assegurados para execução e vendagem nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Klein continuaria com os direitos de “He’s So Fine". George teve que pagar royalties à ABKCO como indenização simbólica pelas execuções da música ao longo do processo. 

John Lennon, na histórica entrevista à Playboy em 1980, falou sobre o assunto e criticou o antigo parceiro de banda. Para ele, apenas pequenas mudanças no arranjo teriam resolvido o problema, mas não o fez e acabou pagando o preço. Já o baterista Ringo Starr disse que a melodia é semelhante, porém a versão de George é mais pesada que a das Chiffons e que ele poderia ter feito isso com o original no fundo de sua mente, mas não teve a sorte e alguém que fizesse um teste com ele no tribunal.

Confira um trecho retirado de sua autobiografia:

Eu fui inspirado a escrever My Sweet Lord pela versão das Edwin Hawkinks Singers da musica Oh! Happy Days. Pensei muito sobre fazer My Sweet Lord ou não. Porque eu estaria me comprometendo publicamente e eu esperava que muita gente pudesse achar isso estranho. Muitos temem as palavras "Senhor" e "Deus" – tomando- as com raiva por alguma razão estranha. O ponto é que eu estava pondo meu pescoço na berlinda , porque agora eu teria que viver para algo, mas ao mesmo tempo, eu pensei 'Ninguém está dizendo isto, eu queria que alguém o estivesse fazendo. Você sabe que todo mundo está fazendo "Be Baby Bop' - Ok, pode ser bom para dançar, mas eu era ingênuo e pensei que poderíamos expressar nossos sentimentos uns aos outros, não suprimi-los e mantê-los unidos. Bem, era o que eu sentia e porque ser infiel a mim mesmo? Passei a acreditar na importância de que se você sente algo forte o suficiente, então você deve dizer isso. Eu não estava consciente da semelhança entre He’s So Fine e My Sweet Lord, quando eu escrevi a canção que era mais um improviso e não tão direta, embora quando a minha versão da canção saiu, um monte de gente por aí começou a falar sobre o assunto e foi então que eu pensei "por que não percebi ? "Teria sido muito fácil mudar uma nota aqui ou ali, e não afetar o sentimento do registro. Eu penso que My Sweet Lord foi um 'disco' bom. Na indústria fonográfica, há "canções" e "discos" - de qualquer maneira eu pensei que o som geral do disco fosse tão importante como as palavras ou melodia - a atmosfera realmente. Eu queria mostrar que "aleluia" e "Hare Krishna" são exatamente a mesma coisa. Eu fiz as vozes cantando "Aleluia" primeiro e depois a mudança para "Hare Krishna" para que as pessoas estejam cantando o Maha Mantra - antes que se soubesse o que estava acontecendo. Eu estive cantando "Hare Krishna" por um longo tempo e essa música foi uma idéia simples de como fazer um equivalente pop ocidental a um "Mantra", que repete e repete sempre, nomes sagrados. Eu não me sinto culpado ou mal sobre ela, na verdade, muitas vidas de viciados em heroína foram salvas por essa musica. Eu sei os motivos por detrás de escrever música em primeiro lugar e seu efeito ultrapassou em muito o incômodo legal".

Em 2001, quando "All Things Must Pass" foi relançado para comemorar o 30° aniversário de lançamento do disco, a música foi regravada e nenhuma das “semelhanças” foi tocada. Mesmo assim, ela não descaracterizou seu sentido, que continuou o mesmo, ou até mais bonito que o da versão original.

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