quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Jovens músicos dão os primeiros passos apesar das dificuldades do ramo
Erika Hoshi, Carol Esteves, Carol Rezende Gabriel Valdetaro e Felipe Halegua, integrantes da Anarco 18
A música tem passado por uma crise de identidade nas últimas décadas. É perceptível que apenas um grupo privilegiado consegue alcançar o sucesso, que na maioria dos casos é efêmero. Levando um pouco essa análise para o lado do rock, a diferença é gritante; as maiores influências do rock, tanto no nacional, quanto no internacional, ainda são as bandas clássicas, que fizeram sucesso nas décadas de 70, 80 e 90. Evidentemente, muitos grupos já surgiram nos últimos anos e alguns poucos conseguiram ter um maior destaque, mas, esses ainda são exceções à regra.

Muitos músicos, em sua maioria, o público mais jovem, ainda se aventuram, na esperança de conseguirem mostrar seus talentos para o mundo, alcançarem uma legião de fãs, apresentarem uma ideologia nas suas músicas, além de fazerem shows em diversas cidades do país e, se tiverem muita sorte, também no exterior.

Os integrantes da banda Anarco 18 também tem esse sonho. O grupo surgiu em março de 2014, quando a vocalista Carol Esteves, o guitarrista Gabriel Valdetaro e a tecladista Erika Hoshi, que tocavam juntos, decidiram formar uma banda e encontraram a baterista Carol Rezende, que tocava na banda Dirty Mary, e a baixista Carolina Lima. Essa última saiu da banda e em seu lugar entrou Felipe Halegua, ex-baixista da banda Sete Cidades.

A Anarco 18 se apresentou em festivais que ocorreram no Bar Vittorio, situado na Barra da Tijuca, bar esse que é conhecido por ser uma das principais casas que oferecem espaço para bandas iniciantes se apresentarem. Nos seus seis meses de existência, a Anarco 18 participou de quatro festivais, tendo sido escolhida a melhor banda, em dois deles. No momento não tem ensaiado, porque alguns de seus membros estão se preparando para o vestibular, mas prometem voltar em breve para gravar duas composições: as músicas “Protesto” e Sobrevivência”. A banda, por sinal é bastante engajada em movimentos sociais e Gabriel Valdetaro destaca isso:
Anarco não quer dizer que a gente é anarquista. A gente prega mais a liberdade e‘anarco’ quer dizer isso, sem alguém te governando, sem regras. A gente realmente gosta de se empenhar nesses movimentos sociais, estamos sempre em protestos... as nossas letras criticam muitas coisas e pregam a liberdade também.
Sobre os protestos, a banda marcou presença na “Passeata pelo Clima”, esteve em umas das passeatas de julho de 2013 – a que teve um milhão de pessoas – e estiveram também na manifestação “Golfe Para Quem”, contra a construção do campo de golfe, uma das instalações dos Jogos Olímpicos Rio 2016. A vocalista Carol Esteves, inclusive afirmou que tem o interesse em criar uma ONG, “com o objetivo de mudar alguma coisa na sociedade, ajudar as pessoas e que se preocupe com o meio ambiente".

A Anarco 18 reconheceu também que as mídias sociais são um ótimo espaço para divulgarem seus trabalhos. A própria banda faz uso de três delas, o Facebook, o YouTube e o Twitter. Além disso, distribuem letras de suas músicas nos shows, distribuem panfletos em alguns locais e fazem parcerias com outras bandas, como a banda amiga Red Rum. Nessas parcerias uma banda divulga a música da outra.

Com relação ao cenário atual, os integrantes da Anarco, reconheceram que o predomínio da mídia sobre a produção musical tem afetado na qualidade desta, que há uma desvalorização da música e consequentemente da cultura nacional, já que a indústria americana é quem monopoliza as músicas, não só no Brasil, como também no mundo. Como vantagens dos tempos atuais, a música independente é um dos caminhos para as bandas seguirem como alternativa, além da divulgação nas redes sociais.
Quem gosta de música tem que correr atrás, porque realmente não está fácil viver disso, não dá para ser artista preguiçoso. As bandas também estão muito underground. A gente tem que aumentar nossas influências e procurar também essas gravadoras independentes, porque ainda tem bandas boas no Brasil, mas elas não estão na mídia, não são divulgadas. Mas a gente tem esperança de fazer isso mudar, porque sempre tem uma fase ruim e depois tem uma explosão de rock. Isso acontece. Aconteceu nos anos 80, até os anos 2000, com Detonautas, Charlie Brown... acho que daqui a pouco pode voltar de novo. Completa Valdetaro.
Rogério, vocalista das bandas Vênnus e Intrusos no Paraíso
Algumas pessoas entram no mundo da música por acaso e descobrem uma habilidade nunca antes percebida. É o caso de Rogério Villas Boas Junior, de 20 anos, vocalista da banda Vênnus e Intrusos no Paraíso, que por sinal, foi bastante político e preferiu ser entrevistado sozinho para não favorecer nem uma nem outra banda da qual faz parte. Ele, que tinha um violão, começou a fazer aulas do instrumento, mas não conseguiu se adaptar bem no início. A paixão pela música começou quando ainda estava no Ensino Médio. Sua professora de português, em um trabalho para a matéria, citou um trecho de um poema para os alunos criarem uma continuação. Rogério e seu amigo compuseram uma canção. Rogério cantou e seu parceiro o acompanhou violão. A professora gostou, ambos ganharam um ponto no trabalho e a partir desse momento, Rogério passou a se interessar mais pela música. Teve passagens por várias bandas, se apresentou em festivais em Duque de Caxias, onde morava e atualmente faz parte das bandas a Vênnus e Intrusos no Paraíso; essa última faz parte de seu mais novo projeto musical. As bandas por sinal tem uma boa organização, algo que Rogério passou a dar mais atenção por conta de sua experiência. Logo no começo da banda Vênnus ele contou com a ajuda de um experiente músico Marcos Klayn, que o ajudou a ter um conhecimento musical melhor.
A gente procurou um estúdio para gravar e perguntamos para o cara se a gravação dava para ficar boa. Ele disse que com o equipamento que a gente tinha, não ia dar, mas a partir desse momento ele passou a dar algumas dicas e disse que daria um apoio. Ele dizia que era nosso empresário, mas cuidava mais da parte de produção mesmo, porque ele queria fazer para a gente o que nunca fizeram por ele. Ofereceu até algumas composições que ele tinha para a gente gravar, mas depois que nasceu a filha dele, teve que se afastar um pouco e não pode continuar colaborando com a banda. Por conta disso, nós resolvemos seguir por nossa conta e decidimos não utilizar as composições dele.
Rogério, ao comparar as diferenças das décadas passadas com o momento atual que o rock se encontra, ressaltou que as bandas atuais não irão substituir os grupos mais clássicos do rock nacional, como Capital Inicial, Barão Vermelho, Legião Urbana, por exemplo. Conhece várias bandas boas surgindo, mas que por não conseguirem tanta visibilidade, não conseguirão despontar. Apesar de haver uma dificuldade em conseguir um maior destaque diz que não é impossível e que para que tenham êxito, as bandas precisam ser mais unidas e não desistirem. Para Rogério os esquemas que as gravadoras utilizam, prejudica bastante a produção musical, porque muitas bandas, em busca de sucesso imediato e dinheiro fácil, se submetem às exigências das gravadoras e dessa forma as músicas sofrem com essa influência. Porém, a tendência é que as bandas sigam o modelo de música independente, divulguem seu trabalho nas redes sociais. A própria Vênnus divulga suas informações em sua página no Facebook, rede social que mais utilizam; todos os músicos tem acesso e podem realizar suas postagens.
                                                                                                                                                     
Eduardo Rocha, guitarrista e produtor musical
Quando os integrantes de algum grupo musical já possuem certo tempo em atividade, começam a fazer uma boa leitura do panorama musical e consequentemente, adquirem um conhecimento mais concreto sobre os caminhos que devem seguir. Isso ocorre com o músico Eduardo Rocha, de 21 anos. Apesar de ainda ser jovem, o guitarrista, que também se arrisca como cantor, toca desde os 14 anos e se diferencia por ser uma pessoa bastante crítica do sistema atual.

 Sobre esse assunto, destaca que se deve fazer uma avaliação por diversos ângulos, citando como pontos negativos o jabá, que considera quase como um cartel, esquema esse que já foi denunciado por alguns músicos. Como pontos positivo incluiu as gravações independentes e explicou como isso passou a ser possível, com seus conhecimentos sobre engenharia mecânica, curso que realiza na UERJ.

Em 83 a gente tem a criação do MIDI, mas o MIDI nada mais é do que transferir uma informação que vai ser gravada como áudio, mais rápido. de uma forma mais tecnológica e mais eficiente. As pessoas começaram a poder gravar independentemente a partir dos anos 90, quando foi possível finalmente passar do hardware para o software, todos os componentes que se tinha no estúdio. Você usa o compressor dentro de uma plataforma virtual, você pode ter uma mesa de som de uma plataforma virtual, entre outros.Essa foi a parte que agrada todo mundo: produzir em casa a baixo custo, mesmo que sob muitos questionamentos. As gravações em casa são muito eficientes, tanto que tivemos um vencedor de Grammy gravando em apartamento, que foi o caso do primeiro CD da Alanis Morissette.
Para Eduardo esse foi o tipo de inovação que trouxe mais vantagens para a música, mas a partir do final do século XX, início do século XXI, os músicos começaram a compor abusando dos recursos tecnológicos. Para ele, apesar de haver bons músicos independentes, o que mais tem sido lançado na mídia são produções com menos qualidade harmônica, com muitos recursos eletrônicos sobressaindo e a técnica ficando um pouco à margem do processo musical. Além do fato de que a música, na opinião de Eduardo, segue mesmos padrões e perdeu um pouco de sua “melancolia”. As composições “mais alegres“ são mais veiculadas, junto com músicas românticas, isso por conta de um visível flerte do rock com o pop, no mundo todo. Quanto aos recursos eletrônicos, o guitarrista ressalta que eles foram ótimas invenções e que não são a causa desses problemas de abuso de recursos eletrônicos, até porque, são apenas ferramentas. O recurso do auto-tune, que Eduardo considera um excelente programa, tem como utilidade mostrar onde o cantor erra e pode ser utilizado para consertar a afinação apenas em trechos em que esse possui alguma dificuldade, porém, atualmente o mau uso desse recurso faz com que a técnica seja banalizada, gerando dessa forma, muitas críticas quanto a sua utilização.

Quanto ao momento atual da música, o guitarrista Eduardo Rocha avalia como ruim, porém, acredita também que como os músicos mais famosos estão com uma idade avançada, num final de carreira iminente, a indústria vai voltar a estimular esse tipo de música porque ainda há fãs.

Com relação aos músicos independentes, considera que muitos dos que são mais antigos conseguem se manter por conta de sucessos anteriores. Eduardo citou, Frejat que hoje é independente, porém   sem desmerecer seus trabalhos recentes, ainda vive da fama de seu trabalho no Barão Vermelho, depois de substituir Cazuza. Uma das alternativas para que as bandas consigam uma maior audiência no panorama da música atual, segundo Eduardo, seria ter mais criatividade e serem administrada como se fosse uma empresa, com grande investimento em marketing, com foco na divulgação pela internet, principal meio de comunicação dos tempos atuais. Isso faz com que a banda tenha um desafio de tentar buscar cada vez mais atenção ao seu trabalho porque na web, ela terá indiretamente a concorrência de outras, com padrões muito parecidos, e que certamente possuem estratégias semelhantes também. Eduardo comenta:
Para se destacar hoje, primeiro tem que ter uma atitude inovadora. Vou pegar o exemplo que é de um comentário do Bon Jovi: o Bon Jovi tem uma banda toda feita como se fosse uma empresa – a banda Bon Jovi é parte das empresas Bon Jovi –. Tem o cara que cuida do marketing da imagem dele e trabalha a imagem dele como sex symbol; tem o grupo dos músicos, que faz a produção; tem o grupo que monta os palcos... cada um dividido num ramo. Não sei se administrar a banda assim como empresa é válido, mas com certeza, se tem alguém de marketing, de internet, alguém que faça uma divulgação boa, que perturba, que tenha tempo livre para fazer isso, é uma boa. Em termos de ideias renovadoras, tem o exemplo do CD: como ele está fácil de se produzir, as bandas podem produzir seus CDs e venderem em shows independentes por uns dois reais, ou então, fazerem um show para 70 pessoas e darem o CD para essas 70 pessoas. Pode ser um investimento que pode dar retorno.
Logicamente, como também relata Eduardo Rocha, depende do que a banda entende por sucesso e depende muito da ambição de cada banda, de cada músico. Isso porque há os que pensam que sucesso seria apenas ganhar dinheiro, aparecer na TV como também há aqueles que querem ser artistas para fazerem música com o coração, sem se importar em direcionar a música para um determinado tipo de público. Nesse último exemplo ele destaca que é mais trabalhoso, e que por isso não há um caminho certo e sim utilizar todas as ferramentas para construir uma imagem sólida. Mesmo assim ainda é difícil, encontrar uma fórmula concreta por conta das várias bandas independentes que existem e também porque, segundo Eduardo, não há muitos grupos que possam se sobressair e serem referência, tal como ocorreu em décadas anteriores. Voltando ao assunto do jabá, que comentou no começo da entrevista, das bandas que surgiram nos tempos recentes, como Nx Zero, Fresno, Restart, o foco foi em apenas um público: o adolescente, que com o passar dos anos, mudaria automaticamente de preferência musical. Em termos de potencial dessas bandas, Eduardo destacou como mínimo, pois elas não tiveram evolução e estão desaparecendo gradativamente.

Com relação a algumas iniciativas atuais da mídia, o músico citou, embora com um pé atrás a Rede Globo, que tem exibido programas como o The Voice e SuperStar. Eduardo acompanhou o último SuperStar e desconsiderou em sua observação a banda vencedora, a Malta, por conta de boatos de que essa teria lançado música na rádio antes do começo programa e de os integrantes tinham conhecidos dentro da Globo. Analisando tecnicamente, destacou a banda Suricatos que para ele tinha potencial, com uma boa qualidade instrumental e com grande influência do blues. No geral voltou a afirmar que existem muitos artistas com potencial no Brasil, mas que não estão sendo divulgados.

Ao ser questionado sobre o seu futuro na música, foi mais além. Generalizando, disse que é difícil viver só de música no Brasil e que evidentemente a pessoa deve ter uma outra alternativa. Fez críticas a OMB – Ordem dos Músicos do Brasil – que diz que é um órgão omisso, que não representa os músicos, e sim seus próprios interesses. Por isso acha que projetar o futuro é difícil, porque a área musical é ampla, principalmente por conta da tecnologia; porém, alcançar os níveis mais altos é bem mais complicado do que investir em uma outra carreira profissional. Dessa forma, qualificação musical não é tão necessário, porém existem outras qualificações no ramo da música, como Produção Musical, a área de trilhas sonoras etc. Quanto a essas questões, Eduardo conclui:
É sempre difícil projetar aquele sonho de adolescente, de crescer na música. Eu não gosto de desanimar ninguém, mas é quase impossível você chegar para uma pessoa e dizer que com aquele trabalho ela vai conseguir. Eu gosto de levar as coisas de forma independente. Eu vou projetando a faculdade. Na música, vou tentando, e o que der, ótimo. O que não der, não deu. Mas a questão que eu falo para todo mundo é tentar. Se não conseguir pelo menos você tentou, mas realmente é difícil dar algum estímulo para a pessoa ser musicista, difícil também é arranjar onde tocar. As condições são desanimadoras, porque a OMB não defende e os músicos são omissos. Os músicos (nem todos) não exigem seus direitos, aceitam, por exemplo: tocar de graça porque vão se divulgar... ou seja: estão desvalorizando o próprio trabalho. Tem que pesar para os dois lados, tanto para o da OMB quanto para o dos músicos.

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